sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

SOBRE A LIBERDADE DE SOFTWARE E A FACILIDADE DE USO

Linha de comando
Meu último artigo, o qual foi publicado no BR-Linux, teve uma grande repercussão, sendo inclusive citado e republicado em vários sites especializados em informática e em software livre. Se, por um lado consegui fomentar uma discussão acerca de um ponto controverso – a liberdade de software – por outro entristecem-me os fatos de que o nível dos comentários em sites ditos especializados, como o BR-Linux, serem tão baixos, e de a verdadeira – e mais importante – mensagem daquele texto não ter sido compreendida.
Na maioria dos comentários dos sites e dos fóruns que republicaram o texto – o administrador de um site disse ter recebido oito e-mails com ele! -, o principal argumento utilizado para desmerecê-lo pode ser resumido com um comentário que estava em minha fila de spam:
Nossa! É por isso que usuários preferem continuar usando Windows, pois ai não existem xiitas achando que você só pode ser um gênio da computação para poder usar um computador.
Em resumo, os defensores do Ubuntu (assim como aqueles que desejam me atacar gratuitamente) têm a errônea ideia de que a liberdade de software é incompatível com a facilidade de uso dos computadores. Dentre os comentários que li, um deles fazia uma “analogia” a um correntista ter de digitar comandos em um caixa eletrônico para poder sacar dinheiro em um mundo dominado pelo software livre.
É difícil aceitar que a ubuntuzação está emburrecendo os usuários de software livre. Se você voltar ao artigo anterior e ler a parte na qual enumero as quatro liberdades fundamentais, verá que em nenhum lugar está escrito que o software livre precisa ser artificialmente difícil de usar a fim de afastar os usuários comuns ou novatos, com o objetivo de preservar uma suposta elite intelectual. Essa besteira não está escrita em lugar algum!
Ser um software livre nada tem a ver com a facilidade de uso. Um exemplo clássico é a suíte educacional GCompris, com vários jogos e atividades educativas, voltadas a estudantes de educação infantil e de ensino fundamental que é tão fácil de operar quanto apontar a seta do mouse para a opção desejada e clicar o botão para selecioná-la! Outro exemplo o qual podemos citar é o software de simulação de circuitos Electric, que já possui uma longa estrada percorrida e é, muitas vezes, preferido em relação às suas contrapartes proprietárias, via de regra mais fáceis de usar.
Talvez o que cause essa confusão acerca da liberdade de software e da facilidade de uso seja o fato de que o GNU/Linux seja desenvolvido com base na filosofia Unix, a qual, em essência, prega:
“Escreva programas que façam apenas uma coisa mas que façam bem feito.
Escreva programas que trabalhem juntos.
Escreva programas que manipulem streams de texto, pois esta é uma interface universal.”
Ou seja, se no mundo WIndows ter um programa que corte, que pique e que cozinhe com o clique de um único botão é algo bem visto, no lado Unix da força é melhor ter um programa que apenas corte, outro que apenas pique e outro que apenas cozinhe, todos eles unidos através de uma interface. A separação de tarefas, além de contribuir positivamente para o aumento da qualidade do programa, permite que seus componentes sejam utilizados em outros projetos por outros desenvolvedores, evitando a reinvenção da roda a todo o instante.
Mas é claro que não podemos fazer como os alienados que teceram aqueles comentários e fechar seletivamente nossos olhos. Ainda existem, sim, obstáculos à plena adoção de sistemas totalmente livres. O principal deles é a compatibilidade de alguns hardwares bastante comuns e conhecidos.
Não podemos negar que o nível de compatibilidade em sistemas GNU/Linux aumentou na última década, a ponto de o usuário, na maioria das vezes, apenas conectar seu dispositivo e sair usando-o, sem a necessidade de instalar drivers ou programas adicionais para tal. No entanto, alguns poucos periféricos – como adaptadores wireless – continuam apresentando problemas devido à completa falta de interesse de seus fabricantes em suportar o sistema e em apoiar a liberdade de software.
Para resolver esse problema, nós, os usuários, precisamos nos manifestar. Enquanto os fabricantes não tomam uma atitude séria, devemos auxiliar nossos irmãos recém-chegados a navegar pelo novo mundo.
Mas o ponto mais crítico da ubuntuzação, aliado ao que já foi exposto acima, é a concretização do maior pesadelo linguístico de Richard Stallman: que a palavra “free” passasse a significar gratuito, ao invés de livre. E é exatamente isso que vemos no ecossistema Ubuntu. Seus usuários não querem saber da licença do software, desde que ele seja grátis. Alguém poderia argumentar que a Canonical, assim como a Red Hat, oferece serviços de suporte pagos, o que é verdade. Mas eu ousaria perguntar quantos usuários finais, pessoas físicas, pagam para usar esses serviços? No brazil, provavelmente ninguém.
Talvez seja uma ilusão sonharmos com um mundo onde todos os softwares sejam livres, mas isso não é motivo para desistir da luta. Afinal, o inimigo fica mais forte a cada dia. A maioria dos usuários que criticaram o meu texto e o do Anahuac sequer fazem ideia do que as redes sociais e os famosos serviços em nuvem realizam para coletar seus dados pessoais. Com uma crescente e cada vez maior integração a tais serviços, a cada dia será mais difícil mantermos nossa privacidade on line e, caso você não tenha percebido, essa luta é séria e só poderá ser vencida através do software realmente livre, o que não é o caso do Ubuntu e de seus derivados. A cada dia, abrimos mais mão, voluntariamente, de nossa privacidade em nome de uma comodidade questionável. Se, antes, guardávamos nossos arquivos pessoais conosco, seja em disquetes, em cds ou em HDs externos, hoje colocamos tudo isso na nuvem, em servidores de empresas privadas localizadas fora do país.
Quando for instaurado um regime de governo totalitário e global, os que hoje defendem os Ubuntus da vida se lembrarão de textos como esse e lamentarão não terem dado mais valor à sua liberdade. Abandonem a zona de conforto e vamos à luta!
Via: http://www.andremachado.org/

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